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Foto do escritorKauane Raine

Frescor 16


A gente saía sem rumo pra curtir a adolescência, voltávamos apenas depois de sentir a liberdade pulsando em nossas veias.

Amanhecer em praças, Santa Cândida/Capão Raso, parada no Largo da Ordem, bares com cerveja quente era nosso santo culto de domingo, como boas devotas da diversão, não perdíamos um.

Dormir no mato, encontrar o Diabo Loko às 4h da manhã e voltar pra casa pela Capivari, só pra tentar ver o tal Bailarino.


Uma vez lá na XV, um cara que segurava a ponta da camiseta dobrada cheia de pipoca, sentou do meu lado e disse que o segredo pra ser bonito era passar Neutrox no cabelo.

Achei engraçado no início, mas depois de um tempo, se tornou invasivo.

Paia!

Mesmo usando Neutrox, ele ficou feio.


Conheci a cidade toda matando aula e entrando em qualquer ônibus só pra ir até o ponto final e voltar pro terminal, ia reparando no caminho e pensando se um dia eu estaria naquela rua novamente. Me mandava pra Biblioteca Municipal, foi lá que encontrei a poesia e descobri que tudo pode ser mistério, que até o ângulo de um pentágono visto em outros ângulos, pode ser apenas mais uma forma de comunicação. Cansei de ter meus sentimentos invalidados por quem achava que eu deveria continuar intocável no passado.


Numa terça-feira à tarde, sentamos num banco e o menino inclinou pra frente, o sol bateu nas suas costas e eu observei aquilo com tanta aptidão, vi detalhes impossíveis de localizar a olho nu. Enquanto olhava o seu pescoço iluminado, me dei conta que a vida era massa demais, e ela soprou tão forte no meu rosto, que eu logo soube que o hálito dela era de hortelã.

Larguei tudo também. Achei que tinha me apaixonado pelo cara das costas quentes, depois percebi que me apaixonei pela minha própria vida: pelos dias de primavera que eu pegava as flores caídas no chão, pelas manhãs com suco de goiaba, pelas noites que eu cantava mal no karaokê, pela minha única e insignificante existência.

Eu nunca mais vi o sol incendiando a sua pele, a pulseira roxa que ambos tínhamos se deteriorou com o tempo. As flores que eu trouxe da primavera ainda estão coladas na

minha parede, porém, mortas. Assim como aquela nossa fase.


Às vezes coloco um disco na vitrola e fico lembrando dessas coisas. A gente acha que pode tudo antes dos 18, a adrenalina é muito mais prazerosa.

Também penso que a vida pré caos foi um derrame de energias diversas.

Agora eu tenho gato, coelho, cuido de criança, rabisco ônibus e escrevo merda. Ainda sou uma devota da diversão, nas entrelinhas.


Este texto é de responsabilidade do autor/da autora.

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